Uma das principais
atividades do GRAAPA, explorando a atividade cineclubista no cenário do Século
XXI, são as sessões de cinema e vídeo abertas à comunidade, sempre aos sábados
à tarde na UNIFAP.
Dentro da metodologia
do GRAAPA para as sessões, são escolhidos os diretores (democraticamente, todos
podem sugerir nomes de cineastas e filmes que são colocados no "saquinho
mágico" para sorteio). De cada diretor sorteado, são selecionados por meio
de votação pelos membros do Grupo quais os filmes que serão vistos e debatidos.
Esses debates após o visionamento do filme, precedidos de breve apresentação do
mesmo (em seu contexto de produção social, político e artístico), ao mesmo
tempo, são momentos descontraídos e ricos como contribuição para a reflexão e
conhecimento. Os debates nas duas últimas sessões do primeiro ano de existência
do Grupo (2014) passaram a ser integralmente registrados e transcritos e estão
agora aqui disponibilizados nesta seção do Blog do GRAAPA como forma de
compartilhar com os que não puderam estar na sessão e repercutir e ampliar o
debate e os diálogos possíveis sobre estes filmes e seus diretores.
Aqui compartilhamos a transcrição do debate da
sessão do filme "Evita" de Alan Parker.
Filme: Evita
Ano: 1996
País: EUA
Roteiro: Alan Parker
Gênero: Musical/biografia
Idioma: Inglês
Elenco Principal:
Madonna-Eva Perón
Antonio Banderas-Che
Jonathan Pryce-Juan Perón
Jimmy Nail-Augustín Magaldi
Victoria Sus-Doña Juana
Julian Littman-Juan
Olga Merediz-Blanca
Laura Pallas-Elisa
Julia Worsley-Erminda
María Luján Hidalgo-Eva (jovem)
Servando Villamil-Cipriano Reyes
Andrea Corr-amante de Perón
Peter Polycarpou-Domingo Mercante
Gary Brooker-Juan Bramuglia
Maite Yerro-Julieta
Introdução antes do início do filme
"Evita"
Para
entender o contexto é bom fazer um retrocesso. A constituição da Argentina de “Los Hermanos” é bem diferente da nossa,
teve um processo de independência mais forte, com mais insurreições, com
disputas. Dando um exemplo, o nosso também teve com a Cabanagem, etc. Mas lá,
com a industrialização, por exemplo de carne, eles desenvolveram a indústria de
exportação. Modelo capitalista, houve uma grande industrialização. Os governos
eram conservadores até então, Perón(1) era ministro do trabalho, fazendo toda uma política de
garantias de base para o trabalhador e foi a partir de então que ele começou a
carreira política, logo depois ele cria um movimento que se torna o Partido
Justicialista, que ficou conhecido por defender os direitos dos trabalhadores.
Segundo alguns autores ele é a alternativa latino-americana para a crise do
capitalismo, o populismo. É interessante pra nós, para analisar e comparar o
populismo e coronelismo do Brasil e se ocorre também aqui no estado do Amapá. A
gente vive hoje um neopopulismo na América-Latina. O coronelismo tem uma
cultura política de assistencialismo também, mas ele tem uma relação de domínio
de paternalismo, o voto de cabresto e etc. Segundo alguns autores o populismo
surge somente em áreas urbanas, é como se fosse irmão gêmeo do coronelismo, ele
se manifesta mais nas camadas operárias no contexto argentino e é aí que entra
a figura da Evita. Então a gente pode olhar a Argentina dos anos 50, 60, 70 e
analisar o Brasil e o Amapá em 2014, estamos falando de populismo e
neopopulismo. O líder máximo populista no Brasil foi Getúlio Vargas, pai dos
pobres “trabalhadores do Brasil”. É
quando se cria a indústria no Brasil, no mesmo bojo da guerra. A Argentina
começa um pouco antes com a industrialização e a exportação da carne, na
Argentina tem o gaúcho que é o ribeirinho daqui, ele tem essa cultura meio
estigmatizada. As áreas rurais eram vistas como entrave do desenvolvimento
argentino, a proposta de uma Argentina urbana é industrial e dentro desse
contexto começa o populismo, dessa burguesia que nasce com esse “boom”
econômico e desenvolvimento da indústria, mas vem a crise. Vem o golpe, os
militares fazem eleições em 70, o então presidente renuncia causando uma
reviravolta e consegue fazer novas eleições e trazer Perón de volta. O Peron
até hoje é uma sombra na vida política do país, tanto é que a Cristina Kirchner
é do partido justicialista. Em 73 Peron volta, mas em 75 tem um novo golpe
militar. O golpe militar em 75 põe fim à era do peronismo. Evita teve um papel
importantíssimo dentro do populismo. Evita tem uma ligação fortíssima com o
povo argentino, tanto que seu corpo foi embalsamado, ela é quase uma santa para
os argentinos. Ela criou essa saída para primeira dama, esse papel para a
mulher. Ela vem de origem humilde e é aí que está a maior crítica, muitos dizem
que ela se aproveitou da beleza da sedução e foi galgando até chegar ao
presidente, ou seja, a ascensão social através de seus atributos. Mas na
verdade ela foi uma figura política importante, ela cria centros de
acolhimento, escolas e faz uma rede de assistência principalmente para mulheres
e para crianças e é por isso que ela se torna um ícone, principalmente pelo
carisma que é uma característica populista.
1ª Presidente
da Argentina de 1946 a 1955 e de 1973 a 1974.
Discussão após a exibição do filme
Registro, Transcrição e edição por
Jhonatam Nascimento (Turma 2014 de Jornalismo-Unifap)
Rafael: Esses
filmes que mexem... Eu não conhecia a história.
Isabel: Vamos
falar sério! Alguém sentiu vontade de chorar?
Rafael: Sim
Isabel: Quem
mais?
Jhonatan: Deu uma
emoção.
Isabel:
É....É.... impossível não se emocionar. É uma coisa que o cinema consegue construir...
inclusive no início do filme esqueci de citar, os estudiosos do tema populismo
colocam toda uma descrição, o que o constitui o Populismo: a propaganda.
Rafaela: Vi muito
populismo... o fato dela falar assim com o povo, pegar criança no colo.
Isabel: A
propaganda, a imagem. Né! É a imagem do fascismo, do populismo, a relação do
populismo argentino com o fascismo. No Brasil você também vê isso com Getúlio.
Tem uma parte do filme que fala isso, a construção da imagem, ela era uma
“descamisada” era o povo, a ARGENTINA do gaúcho, do camponês. Na Argentina tem
até hoje certa divisão entre urbanos e camponeses, essa Argentina que rejeita a
"Argentina". Teve uma campanha de eugenia em que eles queriam trazer
somente os imigrantes americanos. Trazer, inclusive, muitos professores
estrangeiros.
Andreza: Eu não
entendi o papel do Bandeiras.
Isabel: É um
musical e tem muito de teatro.
Alesson: É uma
peça, uma peça de teatro adaptada para o cinema.
Isabel: Ah... por
isso.
Andreza: Eu não
sabia que era um musical, se fosse para assistir em casa eu não iria assistir,
porque eu não consigo me focar no filme, ao final do filme eu sempre consigo
gostar do que eu assisti, quando se trata de um musical, mas assim para eu
conseguir assistir é uma dificuldade.
Isabel: Hum, todo
mundo sente assim?
Alesson: Nesse
musical... Ele lembra muito os miseráveis é muito corrente.
Andreza: Os
miseráveis eu amo de paixão o filme.
Alesson: Assim,
não tem diálogo é só música, música enjoa.
(Risos)
Rafaela: É
verdade
Rafael: É por
isso que eu gosto de filme de guerra.
Isabel: Filme de
guerra, Como é a história?
Rafael: Além da
guerra também tem histórias, como o "Resgate do soldado Ryan".
Isabel: Então é
unânime, Ninguém aqui gosta de musical?
Alesson: Eu
gosto, só não gosto de um musical corrido.
Rafaela: No
musical é um pouco difícil absorver a história já que tem muita música nas
falas.
Jhonatan: Fica
cansativo.
Alesson: As vezes
tem umas músicas que são legais e outras nem tanto.
Rafaela: Ha ha a
gente viu isso.
Andreza: Tem umas
músicas que quando eu chegar em casa eu vou baixar porque a trilha sonora é
muito linda.
Isabel: “Não chores por mim querida” hahaha
Isabel: O que
mais marcou além do filme ser um musical e o musical não ser o gênero favorito
de vocês?
Rafaela: Nesse filme
a gente viu pouco do Alan Parker, como vimos nos outros.
Isabel: O Alesson
estava falando que era uma peça que foi transformada em filme. O Alan Parker
transformou em filme uma peça de teatro que já existia. O que mais ficou além
do fato de o filme ser musical e de todo mundo ter tido vontade de chorar?
Rafael: Eu achei
muito interessante por eu não conhecer essa parte da história Argentina, nossos
vizinhos.
Jhonatan: Eu
fiquei surpreso, pensei que o filme ia fazer elogios à Evita, mas no começo ele
faz críticas à ela, com o Banderas no começo do filme falando do povo, mas
depois ele constrói a imagem dela ao longo do filme.
Isabel: A mesma
sensação que eu tive. É por isso que o filme provocou tanta polêmica.
Rafaela: Os
Argentinos não aceitaram a Madona no papel de Evita.
Isabel: Para os
Argentinos a Evita é uma santa.
Jhonatan: Colocam
a Madona uma americana para fazer o papel de Evita.
Rafaela: Eu
gostei de ver a parte da publicidade que é bem forte.
Isabel: Mostra a
construção da imagem.
Jhonatan: Como
ela traz o povo para perto dela, o dinheiro entrando.
Isabel: Mostrando
que ela era uma mulher do povo, uma descamisada, mas mostrando a necessidade de
exibir luxo.
Rafaela: Isso é
contraditório.
Isabel: Isso faz
a gente pensar, a quantidade de gente os descamisados...
Isabel: Isso faz
a gente pensar, a quantidade de gente... o Collor de Melo usava esse termo
"descamisados", os "pés descalços", ou seja se identifica
com o fato dessa pessoa ter vindo de origem humilde, mas não pode andar mal
vestida.
Rafaela: É o caso
do Lula.
Isabel: Então
você tem uma atriz americana e um ator espanhol. O Banderas que representa o
corifeu do teatro, aquele que sabe tudo, conduz, que é o fio condutor da
narrativa. Madona é a protagonista, mas é ele que é a voz da história. É
interessante que essa é a visão norte-americana da américa-latina e da história
da Argentina. Eles fazem o que?
Rafaela: Eles
desconstroem.
Isabel: Eles
desconstroem a visão do populismo. Clientelismo, líder carismático e fazem uso
da publicidade. Mas mesmo assim acaba o filme e você continua admirando a
Evita.
Rafaela: Pro
tempo dela ela foi uma grande mulher. Pela ambição dela.
Isabel: O filme
faz pensar isso. Ela tinha ambição, não tinha ambição?
Jhonatan: Não
duvido nada que ela tenha influenciado a Cristina Kirchner.
Isabel: A
Cristina é do partido justicialista. Não precisa ir longe. Considerada
neo-populista. É interessante observar a visão do populismo do PV
norte-americano. Nada é por acaso. Neo-populismo = América Latina.